Como fã de Terrence
Malick que sou, fica difícil comentar
sobre seu “Amor Pleno” (To the Wonder/EUA, 2012) sob pena de parecer indulgente
demais, porém o que me tranquiliza é que
o diretor de filmes como "Terra de Ninguém"(1973), "Cinzas no
Paraíso" (1978) e "A Árvore da
Vida" (2011) nunca foi uma
unanimidade do cinema. Neste “Amor
Pleno”, Malick mostra sua visão
muito pessoal (e com toque
autobiográfico) sobre o amor e suas
contradições e tenta esmiuçar o
significado dele através de seus personagens.
Se no anterior “A
Árvore da Vida”, Terrence Malick também
discorreu sobre o tema amor e perda,
neste seu “to the wonder” -
numa tradução livre algo
como “até a maravilha”- , ele volta ao assunto e propõe uma releitura do Éden mas
sem cair
no óbvio. Nos primeiros
minutos do filme ainda
sentimos a mesma atmosfera da sua
“árvore”. É inevitável o aparente dejá vu
no espectador, porém Malick não se repete, pelo contrário nos surpreende com o
dilema do casal protagonista e do padre em conflito com a própria fé.
Os enamorados passeiam por lugares de paisagens
oníricas e de beleza ímpar. Parecem
onipresentes através dos sucessivos takes rápidos e com edição ágil. Não é casual a
escolha do Monte Saint-Michel como locação - a construção
milenar, lugar-símbolo da cultura cristã
ocidental erguido em homenagem ao arcanjo Miguel. A belíssima trilha
sonora (com temas de compositores clássicos consagrados) embala o paraíso
amoroso dos personagens reforçando a ideia de um jardim
de delícias para o casal Neil (Ben Affleck) e Marina (Olga Kurylenko) que se conhecem em Paris, ponto de partida do amor entre ambos. No entanto, esse mesmo
amor é colocado à
prova com a convivência e as contingencias da
vida a dois. A dúvida e a insegurança de ser estrangeira no país do
companheiro fragilizam a relação entre Marina e Neil. Paralelamente, o conflito
de convicções do padre Quintana (Javier Barden) expressa a sua busca pelo amor divino em meio à miséria humana e
social .Suas boas obras e o exercício de misericórdia parecem insuficientes como
demonstração de sua fé em Deus. É nesse
contexto que o amor divino e o amor
humano são colocados como discussão principal do filme.
Interessante também notar
a presença de elementos que
remetem à narrativa bíblica do pecado original: a outsider Anna (Romina Mondello) surge de repente na história como a voz
astuciosa que incita Marina a
provar mais da liberdade, do sonho e do
prazer de ser o que quiser, logo
as consequências são desastrosas para esta. A própria
caracterização do pecado da luxúria denota a ausência do belo. A natureza
se degrada, o domo celeste que envolve o mundo perfeito quebra e se
desfaz como no Éden. Todavia, a solução para o conflito ocorre através do perdão como forma de redenção para que o mundo e a ordem se restabeleçam – aspecto recorrente nos roteiros de Malick.
É inegável
que o filme dialoga com alguns trechos bíblicos e em consequência disso
a abordagem de Terrence Malick sobre o
amor corre o risco de ser equivocadamente taxada de limitada pelo seu forte
teor cristão e
ocidental. A temática é universal, atinge a todos independente de religião ou da falta dela. Não se esgota e
deixa margem para outras reflexões. Cinema espiritual
ou metafísico? Na verdade o amor pleno de Malick não é apenas um “filme cabeça” por assim
dizer, vai muito mais além. É um
filme para ser
sentido e visto com os olhos do
coração e não somente com a razão.
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