terça-feira, 19 de novembro de 2013

AMOR PLENO - O ÉDEN REVISITADO DE MALICK


 Como fã de Terrence Malick que  sou, fica difícil comentar sobre seu “Amor Pleno” (To the Wonder/EUA, 2012) sob pena de parecer indulgente demais, porém o que me tranquiliza  é que o diretor de filmes como "Terra de Ninguém"(1973), "Cinzas no Paraíso" (1978) e "A Árvore da  Vida" (2011)  nunca foi  uma  unanimidade do cinema. Neste “Amor  Pleno”, Malick  mostra sua visão muito pessoal (e com toque  autobiográfico) sobre o amor e suas  contradições e tenta esmiuçar o  significado dele através de seus personagens.
 Se no anterior “A Árvore da  Vida”, Terrence Malick também discorreu sobre  o tema amor e  perda,  neste seu “to the wonder” -  numa  tradução  livre algo  como “até  a  maravilha”- , ele volta ao  assunto e propõe uma releitura do Éden mas sem  cair  no óbvio. Nos  primeiros minutos  do  filme ainda  sentimos a  mesma atmosfera da sua “árvore”. É inevitável o aparente dejá vu no espectador, porém Malick não se repete, pelo contrário nos surpreende com o dilema do casal protagonista e do padre em conflito com a própria fé.

 Os  enamorados passeiam por lugares de paisagens oníricas e de beleza  ímpar. Parecem onipresentes através dos sucessivos  takes  rápidos e com edição ágil. Não é casual a escolha  do Monte  Saint-Michel como locação - a construção milenar, lugar-símbolo  da cultura cristã ocidental erguido em homenagem ao arcanjo Miguel. A belíssima  trilha  sonora (com temas de compositores clássicos consagrados) embala o  paraíso  amoroso  dos  personagens reforçando a ideia de um jardim de delícias para  o casal Neil (Ben  Affleck) e Marina (Olga Kurylenko) que  se conhecem em Paris, ponto de partida  do amor entre ambos. No entanto, esse mesmo amor é  colocado  à  prova com a convivência e as contingencias  da  vida a dois. A dúvida e a insegurança de ser estrangeira no país do companheiro fragilizam a relação entre Marina e Neil. Paralelamente, o conflito de convicções do padre Quintana (Javier Barden) expressa a sua busca  pelo amor divino em meio à miséria humana e social .Suas  boas obras e o exercício de  misericórdia parecem insuficientes como demonstração de sua fé em Deus.  É nesse contexto que o amor  divino e o amor humano são  colocados como   discussão principal do filme. 
 Interessante  também notar  a presença de  elementos que remetem à narrativa bíblica do pecado original: a outsider Anna (Romina Mondello) surge de repente na história  como a voz  astuciosa  que incita Marina a provar mais da liberdade, do  sonho e do prazer de ser  o que  quiser, logo  as  consequências  são desastrosas para esta. A própria caracterização do pecado da luxúria denota a ausência do belo. A natureza se  degrada, o domo celeste  que envolve o mundo perfeito quebra e se desfaz como no Éden. Todavia, a solução para o conflito  ocorre   através do perdão  como forma de redenção para que o mundo  e a ordem se restabeleçam  –  aspecto recorrente nos roteiros de Malick. 
                            
É  inegável  que o filme dialoga com alguns trechos bíblicos e em consequência disso a  abordagem de Terrence Malick sobre o amor corre o risco de ser equivocadamente taxada de limitada pelo seu forte teor  cristão  e  ocidental. A temática é universal, atinge a  todos independente  de religião ou da falta dela. Não se esgota e deixa  margem  para outras reflexões. Cinema espiritual ou  metafísico? Na  verdade o amor  pleno de Malick não é apenas um  “filme cabeça” por  assim  dizer, vai muito mais além. É  um filme  para  ser  sentido e visto com os  olhos  do  coração e não somente  com a  razão.



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