O cinema brasileiro vem alcançando timidamente um lugar respeitável nas salas exibidoras ao lado dos grandes lançamentos blockbuster do cinema estadunidense. Não sei se isto deve-se ao fato de grandes atores da teledramaturgia encabeçarem o elenco das produções brasileiras ou se o público teve outra motivação menos suspeita, o fato é que de alguma maneira temos, hoje, bons filmes nacionais e um bom público. Foi o que percebi na exibição de “VIP’s” ontem durante uma sessão com mais de 40 pessoas.
O filme “VIPs” (2010) do diretor Toniko Melo é baseado no livro “VIPS – Histórias Reais de um Mentiroso”, escrito por Mariana Caltabiano que conta a história de vida do jovem Marcelo Nascimento da Rocha que enganou meio-mundo de gente com a habilidade diabólica de uma mente doentia e criativa até onde sua astúcia podia levá-lo e a alienação alheia podia deixar.
A vida de um rapaz de classe média com sonhos e desejos megalômanos e com problemas de autoaceitação parece pouco interessante para ser mostrada nas telas pois todos os dias encontramos por aí algum projeto mal ajambrado de alpinista social, mas conseguir a proeza de driblar situações e pessoas cercadas de luxo e segurança no mundo aparentemente impenetrável do jet set brasileiro é no mínimo extravagante. Ainda mais quando ele se faz passar pelo herdeiro da companhia aérea GOL. Talvez este seja o diferencial na história de vida deste maluco carismático que desperta um pouco de pena em nós pessoas, digamos, tão normais.
O filme cresce à medida que vai mostrando como engenhosamente se constrói o mundo de mentiras de Marcelo em suas várias identidades até chegar ao ápice quando ele torna-se, por algumas horas, um milionário da alta roda das celebridades e herdeiro de um império da aviação civil. Wagner Moura no papel principal é realmente impecável ao transmitir toda a sedução da mentira e o carisma típico de um “figurão”. Marcelo não deixa nada a dever se comparado ao “Talentoso Ripley” (1999) de Anthony Minghella, no perfil psicológico e na meticulosidade em pensar seus crimes. Ripley mentiu, roubou e matou enquanto que Marcelo mente, rouba e se autodestrói. Como diz o dito popular “mentira tem pernas curtas” e ambos caminham até onde estas podem levá-los.
A trilha sonora é bem oportuna quando o personagem canta e imita Renato Russo com a canção “Será” um sucesso do "Legião Urbana". E sem querer superinterpretar a cena, os versos “...nos perderemos entre monstros de nossa própria criação...” parecem traduzir o mundo obscuro e bizarro em que Marcelo - e suas outras personas - mergulhou de cabeça.
As atuações de Gisele Fróes (Silvia) como a mãe de Marcelo e Arieta Correia (Sandra) como a socialite depressiva que toma tarja preta são de uma verdade gritante: de um lado a luta para tentar salvar um filho perdido e de outro o vazio angustiante gerado pelo excesso de ter.
Naqueles tempos idos em que Marcelo fez suas traquinagens (2001) não eram tão comuns as redes sociais e os canais virtuais de comunicação em tempo real que esbanjam velocidade na propagação de escândalos e superexpõe a vida privada do high societ, talvez , nos dias atuais, com esses recursos, ele fosse desmascarado em tempo mais que real, entretanto não podemos subestimar a capacidade de um criminoso desse porte que poderia facilmente aprender a arte de criar perfis e conteúdos fakes no pouco seguro mundo virtual.
Na roda da fortuna em que Marcelo brincou durante sua breve incursão no mundinho fechado dos ricos fica a nítida impressão da fragilidade dos muros que cercam estes castelos de sonhos e riquezas e os separam da realidade de um país ainda “cronicamente inviável” como diria Sergio Bianchi. Num país onde tradição e sociedade são conceitos relativos e equivocados, contar vantagens e viver de aparências ainda engana e impressiona muita gente.
O desfecho do filme não poderia ser melhor: numa festa de carnaval onde impera a lei do prazer e libera-se de todas as amarras, onde “todos são iguais” – o rico e o pobre – e brincam a celebração da cultura popular e da tradição da sociedade brasileira. É aí que as máscaras de Marcelo caem e ele se vê tão humano, tão perdido e tão vil.
“VIPS” é um ótimo trabalho que não engana, só satisfaz ao contar a história de um homem que foi considerado o maior mentiroso do Brasil. O cara que tinha “ um papo de derrubar avião”, mas que ironicamente na verdade derrubou a si mesmo.
Mandou bem Elias! Posta o texto lá no Neocríticas também...
ResponderExcluirAdorei o blog! acompanhando já!
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