Há um certo tempo atrás, seria impensável ver noticiado que um homem mantinha presa no sótão de sua casa a própria filha, a quem ele violentou por anos seguidos e com quem teve filhos. Do mesmo modo seria inimaginável que um rapaz aparentemente normal saísse atirando deliberadamente contra pessoas deixando um rastro de morte. Mais inaceitável ainda que pessoas de diferentes grupos étnicos ou religiosos fossem hostilizados ou assassinados por grupos radicais xenófobos de extrema direita. O que existe em comum entre estes fatos? Boa parte destas notícias vem da Europa, o tão civilizado velho mundo.
“Em um Mundo Melhor” (Dinamarca/Suécia, 2010) da cineasta Suzanne Bier, o tema sobre a intolerância e a violência é tratado com uma amplitude mais abrangente pois toca no senso de justiça e ética de cada um de nós independente do mundo - seja primeiro ou terceiro - ao qual pertencemos. A nomenclatura econômica dos mundos pode ser apenas uma mera convenção político-social, mas sob as lentes de Suzanne Bier o mundo é um só e o que pesa é o caráter e a atitude de cada ser humano na construção do mundo ideal. Para o personagem central, o médico Anton (Mikael Persbrandt), não é o antagonismo entre os mundos que determina o sucesso ou a falência do mundo, mas a postura diante do caos que humanidade enfrenta quando o assunto é a guerra, a fome, a miséria, a doença e a violência.
Anton desempenha um papel quase quixotesco ao tentar mostrar um mundo melhor para a sua família, para o garoto Christian (Willian Nielsen) e para as vítimas das atrocidades nos campos de refugiados. Ele tenta salvar o resto do mundo e o seu próprio que está ruindo. Seu personagem é o único que incursiona por todos os espaços com a difícil missão de dizer que o mundo melhor depende de cada um. E nesse movimento, a câmera de Suzanne passeia por territórios distintos. Transita pela miséria humana e social crônica do continente africano nos campos de refugiados e retorna ao aparentemente organizado e desenvolvido primeiro mundo da Dinamarca.
É nesse contraste entre dois espaços cruelmente distintos que percebemos o quanto nos igualamos como raça humana tanto para o bem quanto para o mal. Enquanto na África os grupos terroristas agem com a barbárie, no primeiro mundo os garotos pesquisam na internet e fabricam seus artefatos hightech de destruição. O que muda é apenas o modus operandi mas o terror tem o mesmo efeito devastador.Vale lembrar que o apelo por um mundo melhor vem de um cinema dinamarquês, de um país com um dos maiores IDH do planeta.
Com um elenco infantil impecável e bem dirigido, e uma fotografia brilhante, Suzanne Bier não pretende ser pedagógica em confrontar os dois mundos, nem tampouco peca pelo excesso de emoção na conclusão dos dramas pessoais. Seu filme leva-nos sim, a fazer um exame de consciência e apenas ratifica a idéia de que um mundo possível e melhor só depende da atitude de cada um.
“Em um Mundo Melhor” conquistou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2011 e foi considerado um dos melhores filmes do ano pela ACCPA..
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